"Fiquei surpreso quando vi, nas fotos de Inês Bonduki, detalhes de corpos de quem viaja de Metrô nos horários de pico da linha mais congestionada de São Paulo. Encontrei ali uma proximidade terna entre os corpos que se contrapõe ao que de fato ocorre quando milhares de alguéns são obrigados a viajar horas no percurso casa-trabalho-casa em condições de uma proximidade tal que só seria possível em situações de profunda intimidade. Em contraponto ao que ocorre de fato, encontro o desejo de ternura no olhar desta fotógrafa. Seu desejo, ou utopia, de um mundo melhor já ocorre nestas suas fotos. E quando registra corpos jovens que dançam, encontro o olhar de dúvida da jovem Inês a se perguntar o que todas as gerações se perguntam: O que somos? Para onde vamos? Para quê dançamos?
Nas primeiras fotos a presença do que há terno na ausência da ternura e nas segundas, a presença da dúvida em corpos que esboçam a certeza.
Será que o que disse está nas fotos de Inês Boduki ou em meu olhar? Mas cabe lembrar que múltiplas leituras só se dão quando estamos, de fato, diante da Arte. Fato que não deixa dúvida em contato com esta Linha Vermelha. Aqui a fotografia escapa do mero registro e nos devolve duas constantes das inquietações humanas: ternura, dúvida e... muitas outras que surgirão dos próximos contatos com estas fotos que registram, antes de tudo, corpos em contato."
SiLvio Dworecki, artista e curador (set, 2015)
"Entre 2013 e 2015, estive dedicada a ir e voltar incontáveis vezes na Linha Vermelha do Metrô de São Paulo em seus horários de pico, para vivenciar e tentar fotografar a intensidade corporal e emocional dessa experiência cotidiana de 3 milhões de paulistanos.
Ao mesmo tempo, registrei as também intensas jams de dança em São Paulo (Contato Improvisação), em que a interação corporal se dá de forma expansiva e a partir da escuta sensível do outro.
Ao associar essas duas realidades na edição do livro 'Linha Vermelha', percebi que elas se aproximavam e se misturavam, tornando-se quase a mesma."
Linha Vermelha articula dois ensaios fotográficos de realidades à princípio distantes: o interior de vagões do metrô de São Paulo (2013-15) e jams sessions de dança (Contato Improvisação, SP, 2014), de forma a ressaltar um aspecto que os relaciona: a proximidade dos corpos e uma intensa experiência de toque.
O título refere-se à mais longa linha de metrô de São Paulo, que transporta 3 milhões de pessoas todos os dias da periferia para as regiões mais centrais da cidade. Essas pessoas perdem de 2 a 3 horas diárias no deslocamento casa-trabalho-casa. A maioria das imagens foi produzida com um celular nas horas de lotação mais críticas dessa linha. Além de explicitar questões político-sociais, em Linha Vermelha a intenção é de observar a natureza corporal e sensível da experiência urbana. Nesse sentido, as imagens de dança Contato Improvisação articulam-se com as imagens do metrô explicitando naturezas opostas de corporeidade.
O Contato Improvisação, uma dança criada na década de 70 nos Estados Unidos e difundida pelo Brasil a partir da década de 90, opõe-se à idéia de coreografia e fundamenta-se na construção de um movimento de improviso entre duas ou mais pessoas, pautado na consciência corporal e na escuta do outro. O diálogo da dança se estabelece através de técnicas de troca de peso mas também princípios de jogo.
Em ambas as situações vemos imagens de corpos que se tocam: no vagão do metrô, o toque involuntário dos corpos revela tensão no espaço entre eles, já que o desejo é de afastamento; entre os dançarinos de Contato Improvisação, um espaço macio, com intenção de aproximação, diálogo e aprendizado sensível.